Fernando Pessoa, média e <i>twitter</i>

Tenho estado a ler um volume consistindo numa compilação de todos os textos de Fernando Pessoa «que não sejam de poesia nem de ficção, isto é, todos os textos de teoria, divulgação e até de provocação, sem excepção de temas, (…)»(1). E a leitura de um textos, o ensaio «A Opinião Pública», datado de 1919, chamou-me a atenção para a questão actualmente em debate sobre o impacto do twitter, para além da generalidade das «redes sociais», e em geral da Web 2.0, enquanto em face ao sistema comunicacional dos média, hoje prevalecente.
Não é que no seu texto Pessoa se tenha referido explícita ou implicitamente aos média. Nem podia. Pois é certo que Pessoa escrevia numa altura em que os meios de comunicação social eléctricos ainda não tinham feito a sua aparição – no ano seguinte, sim, o público saberia da Rádio! E televisão, então… –, num tempo em que havia, sim, imprensa e também já meios de comunicação eléctricos, mas apenas telegramas e um serviço telefónico ainda acessível a poucos… mas isso são outras estórias! Além disso, estes eram serviços com base em meios de comunicação conversacionais… portanto, comunicação social era sobretudo a baseada nos jornais – que ainda aí estão, é verdade.
Mas não tendo vivido Pessoa no nosso tempo mediático, no tempo da falada sociedade da informação, contudo agarrou na questão da opinião pública e dos votos em eleições democráticas… – claro, vistos, como não podia deixar de ser, segundo uma sua afirmativa perspectiva, bem ensopada na sua época –, agarrou, dizíamos, no tema da opinião pública versus votos nas eleições de uma forma que mais parece aplicar-se ao mutante ambiente de meios de comunicação social da actualidade.
Com efeito, Pessoa considerou no seu ensaio «A Opinião Pública» que esta era essencialmente de ordem cultural, instintiva, de pertença social, conservativa, enquanto, por outro lado, o voto nas eleições democráticas era de natureza intelectual, individual, virado para as propostas dos partidos, divisora, que tinha a ver com a mudança, portanto sendo algo, as eleições democráticas, que se opunha ao que designou pelo instinto da opinião pública social residente em nós.

A construir o caminho

Independentemente de quaisquer juízos de valor, o certo é que o exercício do voto, em termos de maiorias, acabou em muitos casos por acomodar-se, de uma forma com frequência bipolar, é verdade, àquelas características instintivas que Pessoa referia a propósito da Opinião Pública e, de certo modo, até a reforçar a legitimidade do seu conservatismo, para utilizar a termo do Poeta. As tais características intelectuais, de ideias para mudanças, referidas por ele como próprias do voto democrático, manifestam-se mas quase sempre – em situações não revolucionárias – apenas em ligação com a expressão de correntes minoritárias.
O que Pessoa não podia adivinhar era o papel que viriam a desempenhar nas paisagens comunicacionais das sociedades os órgãos de comunicação social eléctricos: primeiro o rádio e depois a televisão. Com efeito, estes vieram ampliar muito as possibilidades dos poderes ideológicos e políticos dominantes em termos de encaminhamento e manutenção da Opinião Pública – do seu controlo com base nas características instintivas da mesma. O próprio instrumento das eleições democráticas passou a ser, nas nossas sociedades, como se pode depreender do que se disse atrás, empregue em certa medida em ambiente crescentemente instintivo, dominado pelo mediático.
Modo «ideias, conceitos, intervenção individual, utilizador ‘conversacional’, com valorização determinante da escrita, para além da comunicação por fonia e audiovisual» foi o que, desde os princípios da Internet, passando pela transição para a Web 2.0 e «redes sociais», agora chegados ao modo twitter, passou a ser a grande novidade contrariadora do modo «instinto» próprio de uma comunicação mediática abafante, controladora societal eficacíssima, que se julgaria sem contraponto, e para sempre! E caminhantes que já vão andando só agora começámos a construir o caminho, ainda estreito, sujeitados a situação débil com emboscadas fortíssimas!
Foi esta a reflexão que, mal ou bem, me suscitou a leitura do ensaio de Fernando Pessoa sobre a Opinião Pública e as eleições democráticas, vejam lá! Não tanto como comparação, mais como paralelo do tandem «intuição – ideias/conceitos» e os novos meios de comunicação!

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(1) Cabral Martins, Fernando (1999) – Posfácio à «Crítica - Ensaios, Artigos e Entrevistas» de Fernando Pessoa. Lisboa: Assírio&Alvim.


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